A Cidade como Campo Ampliado da Arte
Glória Ferreira e Guilherme Bueno
Tendo como centro a nova cartografia simbólica que vem sendo estabelecida pelo investimento da produção artística atual na ampliação do campo artístico, as comunicações apresentadas na Sessão Temática 2 seguem basicamente duas direções: painel crítico e relato de experiências. Apesar de ambas não constituírem categorias estanques ou autônomas de leitura e interpretação dos problemas tratados neste módulo, elas podem ser resumidas como sendo, no caso do primeiro vetor, a análise reflexiva dedicada a problemas teóricos mais gerais (mesmo quando examinando uma trajetória artística, um conjunto restrito de obras ou uma prática específica relacionada às discussões entre a arte e sua ativação do espaço fora do museu), cujo foco visa um novo panorama discursivo sobre a arte gerado a partir de seu atrito com contextos que, para tomar de empréstimo o termo de Rosalind Krauss, configuram o seu campo ampliado. O segundo vetor, por sua vez, concentra-se sobretudo no levantamento de questões feito pelos próprios artistas de trabalhos de sua autoria. Ao comentarem suas ações, temos simultaneamente a ocasião de presenciar modelos singulares de formulação prático-teórica, na medida em que suas respectivas poéticas conjugam embates particulares frente ao problema arte/espaço urbano.
Dentro daquilo que chamamos acima de painel crítico, as comunicações de Felipe Scovino, Graziela Kunsch, Bárbara Szaniecki e Deborah Lopes Pennachin colocam em jogo a opacidade do espaço da cidade. Tomando por base diferentes tipos de intervenção nele, seus textos fazem-nos atentar para temas como a experiência deste espaço e seu caráter rizomático, além de problematizar nosso aparato teórico construído para sua análise. Enquanto Scovino, ao discutir trabalhos de artistas como Felipe Barbosa e Rosana Ricalde, Ronald Duarte, Renata Lucas e Ducha, percebe que em suas propostas a desnaturalização deste território se dá mediante a apropriação de seus mecanismos de funcionamento e negociações, Szaniecki procura localizar em determinados eventos, performances e outras manifestações artísticas (tanto no Brasil quanto no exterior), interfaces nas quais as fronteiras e hierarquias entre alta e baixa cultura se dissolvem em um processo criativo múltiplo e coletivo, do qual emerge uma nova perspectiva de politização a um só tempo afirmativa e criativa. Pennachin, por sua vez, ao trazer à tona a presença do grafitti na paisagem urbana (explicitando-o inclusive como resposta vivencial desta), intercala demarcações identitárias e configuração de uma espacialidade permanentemente dinâmica, uma vez que nascida do confronto com os códigos e signos emblemáticos do território urbano. O ensaio de Kunsch, toma por objeto uma intervenção urbanística realizada pela Prefeitura de São Paulo supostamente planejada para a reabilitação de áreas da cidade, mas que deixava clara uma territorialização e segregação política, econômica e social. No seu texto evidencia-se ainda o uso propositalmente provocativo de um vocabulário e terminologia advindas do discurso historiográfico da arte relativos a categorização do “site specific”.
O painel conclui-se com as contribuições de Luciana Dultra Britto e Vanessa Rosa Machado. Ambas empreendem suas aproximações teóricas dentro do campo da História da Arte. Britto, investiga o museu e o deslocamento de seus significados por conta de um processo de espetacularização crescente. Seu tema ganha enfoque peculiar ao discutir os Museus da Cidade, que, de certo modo assinalam uma inversão: se o museu colocava-se como símbolo/signo dentro da malha urbana, agora a cidade seria capturada para o interior daquele. Machado concentra-se nas obras de Lygia Pape, particularmente aquelas que inscrevendo-se para além das fronteiras formais da arte em prol de um embate direto com espaços e públicos heterogêneos, redefine o campo de ação do artista e suas agendas, tanto poéticas quanto políticas, sobretudo se consideramos as circunstâncias tensas nas quais emergem nos anos 60 e 70.
A segunda parte da sessão – relatos de experiências – como o nome indica, prioriza o registro e discussão de intervenções da parte de seus autores. Dela fazem parte, Eloísa Brantes Mendes (representando o coletivo Líquida Ação), Néle Azevedo e da dupla Vladimir Santos Oliveira e Joelma Felix Brandão, além de Alexandre Vogler, Lourival Cuquinha e Rodrigo Paglieri, que também realizarão ações na cidade durante o Corpocidade. O coletivo Líquida Ação promove performances nas quais se mesclam temporalidades distintas: aquela estática dos monumentos históricos e a de uma memória efêmera resultante da fugacidade dos tableaux vivants festivos e aparentemente anárquicos com que ocupam chafarizes de diferentes cidades. Azevedo apresenta suas intervenções mínimas por meio de seus “desmonumentos”, de fato, pequenas esculturas em gelo de figuras, cuja escala não-eloqüente e a dissolução física espelham o caráter transitório e anônimo do sujeito no mundo contemporâneo. Outro trabalho seu (Glória às lutas inglórias) é uma instalação realizada em São Paulo, na qual o teor ritualístico confronta o teor celebrativo inerente aos monumentos cívicos. A apresentação conjunta de Santos Oliveira e Brandão relata a “intervenção-incorporação” pelos dois de uma intervenção realizada em Salvador pelo artista mineiro Dácio Bicudo durante o 14o. Salão do MAM da Bahia, analisando seus desdobramentos em duas instâncias: a interação e reação dos públicos – especializado e leigo – e os debates ativados no circuito local acerca do significado de uma obra quando de seu reconhecimento enquanto tal. |