entrevitas: Daniela Brasil, Paola Berenstein Jacques, Robert Pechman e Ronald Duarte
Nesta edição Dobra entrevistou Ronald Duarte [RD], Paola Berenstein Jacques [PB], Daniela Brasil [DB] e Robert Pechman [RP]; entrevista na concepção de uma ação livre, que suscitasse conexões com imagens, criações, autores, obras :::
PAOLA BERENSTEIN JACQUES arquiteta – urbanista, vice-coordenadora do PPG-AU/FAUFBA e professora colaboradora do PPGAV/UFBA. Integrante da sessão temática: Corpografias urbanas, traz ligeiras reflexões inspiradas em Oiticica que nos aproximam de seus pensamentos sobre corpocidade.
DANIELA BRASIL arquiteta – urbanista, artista e curadora independente. Trabalha com intervenções urbanas e vive em trânsito entre Brasil, Alemanha e Portugal. Integrante da sessão temática Cidades imateriais traz relatos de sua experiência no Golfo Pérsico. Nesta edição da Dobra, também é colaboradora da sessão artigo.
ROBERT PECHMAN doutor em História pela UNICAMP (pós-doutorado na EHESS-Paris), professor do Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional/UFRJ, onde trabalha com a linha de pesquisa em Cultura e Cidade; integrante da sessão temática Modos de subjetivação na cidade traz pistas de como pensar corpo urbano, numa breve associação com corpo cortesão.
RONALD DUARTE artista de ação que vem atuando no cenário artístico das cidades ocidentais, membro do comitê científico-artítico, e integrante da sessão temática: A cidade como campo ampliado da arte, traz como resposta dois de seus trabalhos que dialogam com as questões apresentadas:
- O primeiro, mais recente, ainda está acontecendo (até 31 de março), no Palácio Imperial em Petrópolis, onde foi convidado a atuar no espaço de maneira a discutir a vinda da família imperial.
- O segundo trabalho de 2002, aconteceu as 3:00hs da madrugada nas ruas de Santa Teresa.
DOBRA:O exercício de expandir o entendimento que temos de alguns conceitos já estabilizados, como corpo e cidade, nos arremessa em direções instáveis, donde novas criações podem configurar-se e nos proporcionar outras leituras e criações do/no mundo. Enveredar-se por este campo de articulação, indiscutivelmente efetivado entre corpo e cidade, mas pouco explorado teoricamente mobilizou este coletivo científico- artístico, organizado em sessões temáticas fronteiriças.
Nesta exploração coletiva, o que te mobiliza?
PB:: Não pensar em termos separados, corpo ou cidade, nem mesmo só ligados, corpo e cidade, mas sim complexamente agenciados, corpocidade como uma pequena máquina de guerra, espaço liso de experimentação, uma multiplicidade de aberturas e linhas de fuga, uma contaminação entre diversos campos, uma mistura heterogênea de ação e reflexão, de intervenção e debates, possibilidades de construção de diferenças, de frestas de resistência às formas de pensar hegemônicas, aos modelos estabilizados, às (re) ações naturalizadas.
DB:: A possibilidade de constantemente dissolver fronteiras e criar outras, explorar essas zonas de fronteiras particulares nos territórios que somos nós mesmos.
O que na cidade e no corpo, engendra suas ações/ pensamentos/ escrita/ movimentos/ reflexões?
PB:: Exercitar a idéia de ‘in-corpo-r-ação’. Incorporação(1) da cidade no corpo e do corpo na cidade : por um urbanismo mais incorporado. Desdobrar a idéia de ‘corpografia urbana’(2) : cartografia realizada pelo e no corpo, diferentes memórias urbanas inscritas no corpo, registro de experiências corporais da cidade, uma espécie de grafia da cidade vivida que fica inscrita mas ao mesmo tempo configura o corpo de quem a experimenta. E em mão dupla, cidades inscritas nos corpos e corpos inscritos nas cidades, que também as configuram. Processo de transformação permanente : devir corpo da cidade e devir cidade do corpo.(3)
DB:: Adoro levar cidades para passear em mim e mais ainda passear nas cidades que encontro nos outros. Ontem estava no Golfo. O Pérsico. Pela primeira vez estive entre os coqueiros e os edifícios high-tech que crescem de um lado da cidade - e o casbah borbulhante onde toma-se o clássico chá açucarado de menta e os taxis são senhores que carregam tuas mercadorias em carrinhos de mão - do outro.
Aí, nessa cidade mais árabe que minhas expectativas, fascinei-me pelos homens - que estão sempre de branco - e tive medo das mulheres, sempre de negro. Entretanto, depois de um bocado, me pareceu algo poético pensar que o que distingue aqueles corpos uns dos outros é a forma como se movem. E mais que tudo, o que define aquelas mulheres em negro absoluto é o olhar. Não é o estilo, nem a cor ou tipo de adereços que adornam nossos corpos todos os dias. É o que aqueles olhos viram e o que os nossos olhos naqueles olhos vêem que as tornam particular.
Mesmo inventando esta licença poética, ainda assim tive medo daqueles olhares. Não conseguia cruzar o meu olhar com o delas. Mas acho que consegui despir-me dos meus preconceitos pós-modernistas neo-feministas-whatever-ocidentais e deixei-me encantar por essa delicadeza: pelos tecidos sempre brancos ou sempre negros balançando ao vento árido do deserto.
E pelo Olhar. A idéia do olhar como diferença -inebriado pelo forte cheiro a especiarias cor de açafrão. Enfim. É isso que me move: pensar que as relações entre os corpos e as cidades, entre nós e nossas fronteiras, são muitas, são linhas constantemente redesenhadas e relocadas de acordo com o nosso próprio olhar.
RP:: Me parece que a questão do corpo na cidade é uma certa resposta às modulações da sociabilidade. Os encontros/desencontros urbanos, a proximidade/distância "ensina" o corpo como se comportar. Na cidade não ha corpo "natural", ali o corpo é fundamentalmente um corpo urbano, atravessado pela dicção do convívio e estruturado nas relações que todos entretêm com todos. Em suma, penso que a cidade fala ao corpo e o corpo dialoga com a cidade. Assim como toda a gestualidade, toda a 'politesse' do corpo cortesão exprimia a cortesia da distância que estruturava os comportamentos na Sociedade de Corte, assim também na sociedade urbana e sua contundente proximidade o corpo é muito mais uma decorrência social e só então, uma expressão de subjetividade.
RD::
1:: FUNK DA CORÔA
Interferência Sonora/Visual: a partir da proximidade com o Morro da Corôa situado em Santa Teresa, e conhecendo o som que abala a cidade todos sábados, me perguntei quem são os protagonistas deste espetáculo que tem sua potência máxima exaltada nas próprias letras dos funks.
Funks estes que são apresentados à comunidade como um verdadeiro demonstrativo de poder, desdém e desafio ao sistema vigente da cidade "legal".
Os protagonistas são menores negros (90%), excluídos ou cooptados pelo tráfico...
A Favela é a atual Senzala.
O Funk é um pedido de SOS.
O morro é visceralidade pura: matar ou morrer.
Invadi o Palácio da Corôa Imperial com o Morro da Corôa na paisagem e ao mesmo tempo como viesse de lá o som, o som verdadeiro onde a poesia é uma agonia.
A poesia que invade a tão delicada sala de música do Palácio, falando todo o cotidiano de sexo e violência que acontece diariamente no morro.
Misturando dois tempos e dois universos que são conseqüência da mesma exclusão que se arrasta por esses 200 anos.
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Foto/montagem de Ronald Duarte/ Humberto Cesar - 2007
2:: FOGO CRUZADO
Interferência Urbana: Ação coletiva que consistiu em atear fogo em 1500 metros de trilho do tradicional bonde de Santa Teresa, desenhando um tridente no local onde os trilhos se cruzam, mobilizando 26 artistas.
O corpo que atua na cidade como indagador dos principais acontecimentos violentos, marginais e desconhecidos do sistema que deveria assistir esses locais.
foto: Wilton Montenegro
(1) Hélio Oiticica usava muito a idéia de incorporação, no filme HO, de Ivan Cardoso, ele fala de « Incorporação da corpo na obra e da obra no corpo ». Em seus trabalhos ele abre possibilidade de diversas formas de incorporação, em um de seus ‘Parangolés’ escreveu : « Incorporo a revolta » (P15 C 11).
(3) Como diz Pasqualino, inspirado em Deleuze : criar um « corpo sem orgãos » urbano. Texto (inédito) do professor Pasqualino Romano Magnavita (PPG-AU/FAUFBA): “CIDADE / CORPO SEM ORGÃOS / DEVIRES-OUTROS ».