vol.1
n. 05_ modos de subjetivação na cidade 
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n. 05 _ modos de subjetivação na cidade
 
vol.1
n.4 _ corpografias urbanas  
 
vol.1
n. 3 _ cidade como campo ampliado da arte 
 
vol.1
n. 02 _ cidades imateriais  
 
vol.1
n. 01 _ paisagens do corpo   
   
 

Rocinha – uma possibilidade de ser no Centro Histórico de Salvador

por::: edu rocha
colaboração::: joubert arrais

Uma pequena área verde em meio ao adensado casario do Centro Histórico de Salvador. Eis a Rocinha, comunidade habitacional de baixa renda, locada nos fundos do sobrado amarelo de número 16 da Rua Alfredo de Brito, no Pelourinho. Um espaço de moradia “na roça”, bem no centro urbano soteropolitano, que uniu 2 dos 3 leitores que agora intervêem nesta edição da re[dobra] com trabalhos distintos, mas que se entrelaçam em um ponto específico: a experiência do cotidiano da Rocinha durante seus “processos criativos”.

Vivenciando um momento de intensa instabilidade, devido à retirada da comunidade daquele espaço para implantação do Projeto de Revitalização Urbana da Rocinha – que propõe um conjunto habitacional “estável” para abrigar parte dos seus moradores –, o Coletivo TEIAMUV  se atentou às implicações da relação corpo-ambiente e criou uma ação artística de intervenção urbana no espaço da comunidade; já Jurema Cavalcanti, buscou na singularidade estética e funcional do habitat instável da Rocinha, a base criativa de uma intervenção arquitetônica para cinco famílias, moradoras antigas do lugar.

Durante o processo de criação de suas intervenções na Rocinha, TEIAMUV e Jurema mapearam, com suas experiências profissionais e afetivas na comunidade, uma construção territorial – ou uma possibilidade de ser na cidade –, explorando o movimento instável do corpo que se equilibra, e da arquitetura que se molda a constante mutação do desejo dos seus construtores.

A idéia de “instabilidade” surge nas duas intervenções como uma possibilidade de expressão do modo de fazer espaço-temporal de corpos que estruturam cotidianamente táticas de permanência neste espaço, engendrando em suas corpografias as trilhas que traçaram para se infiltrar na ordem estabelecida de enobrecimento espacial do Pelourinho. Instabilidade também segundo uma visão sistêmica, de um corpo cotidiano ou um corpo que dança engenhado por emergências aleatórias que resultam em "novas soluções" nas tentativas de um estado de equilíbrio.

Seguindo os des[dobra]mentos do processo de reflexão sobre Corpocidade, a re[dobra] traz dois olhares distintos sobre esta área de ocupação informal de Salvador, esboçando uma forma de existência citadina que se estrutura na precariedade e, assim, nos faz perceber os agenciamentos astuciosos de interesses e desejos dissonantes, característicos da sociabilidade urbana.

Foto 1 – fonte CONDER

O corpo que adentra a segunda porta do sobrado amarelo, e percorre o corredor escuro, até se ver diante de uma roça escalonada pontuada por casas espaçadas, experimenta a sensação de instabilidade que se mostra em cada espaço percorrido...
Foto 2 – fonte Jurema Cavalcanti

Equilíbrio do Corpo:::  Leitor:: Coletivo TEIAMUV

Vivenciamos e problematizamos esse ambiente, a sua complexidade histórico-evolutiva, percebendo as corporalidades inerentes ao espaço, dentre implicações políticas de uma realidade social criadora dos territórios fronteiriços, que, neste caso, configura-se numa estreita linha divisória entre a tinta fresca do Pelourinho e o barro da Rocinha.  A cidade, ao transformar seu centro histórico para turistas, espetaculariza a cultura e coloca a pária os moradores.

Essas identificações organizam-se corporalmente na proposta da intervenção artística, pensando na própria configuração da instabilidade arquitetônica da Rocinha e nos processos de adaptação do corpo ao lugar em constante mutabilidade. Vivenciamos por lá, um momento de transformação espacial ainda mais evidente, devido o projeto de “revitalização urbana” posto em prática na comunidade. Na nossa intervenção, montamos a “casinha engraçada” sobre os escombros de duas casas demolidas por conta do projeto de revitalização.

Nesse espaço, performatizamos em meio a móveis de papelão, confeccionados por nós, assim como por entre as marcações deixadas no piso das divisórias das casas e sobre um sanitário ainda instalado e quase soterrado pela montanha de entulhos. Desse modo, procuramos na proposta corporal o limiar entre o “construir/desconstruir” das estratégias de permanência do corpo neste ambiente. Como equilibrar o “coco” caminhando sobre “entulhos”?

Instabilidade do Desejo:::  Leitor:: Jurema Cavalcanti

Assim como o “coco”, cada edificação construída experimenta a sensação da coisa instável e se configura como elemento em constante mutabilidade - exercida por seus ocupantes - nos espaços criados e nos usos estabelecidos, que são modificados, à medida que estes necessitam fazê-lo. Tais alterações vão desde um simples reparo, que objetiva o fechamento da goteira aberta na noite anterior, à criação do ponto de venda de quentinhas, cigarros, cerveja ou café no antigo espaço destinado à sala.

Essas nuanças do objeto instável puderam ser percebidas nas cinco casas trabalhadas, onde mesmo com características específicas, cada família descreveu a necessidade comum de adaptar suas moradias sempre que se viam diante de uma situação favorável à mudança. Em todas elas inclusive, pôde ser traçada uma trajetória de “evolução” que reflete o desejo de acompanhar os processos de modificação ocorridos no Pelourinho, na Rocinha e no próprio núcleo familiar.

Desse modo, o projeto previsto para ser implantado na área poderia se caracterizar como um fator sugestivo de novas alterações. Entretanto, ele ignora a pré-existência dos elementos que sempre estiveram ali e nega qualquer possibilidade de mudança conjunta que possa agregar os desejos e necessidades abordados por cada família.

 

Coletivo TEIAMUV é composto por: Milianie Lage Matos, Maíra Di Natale, Mab Cardoso, Lucinete Araújo e Isaura Tupiniquim, todas alunas da Escola de Dança - UFBA. Criador da Intervenção Urbana BARROC.inha, contemplada no Edital Quarta que Dança 01/2008 da Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB.

Jurema Cavalcanti é arquiteta urbanista, graduada pela UFBA, em julho de 2008, com o Trabalho Final de Graduação intitulado: “Habitação social na Rocinha, arquitetando desejos e necessidades”.