vol.1
n. 04_Corpografias Urbanas 
vol.1
n. 05 _ modos de subjetivação na cidade
 
vol.1
n.4 _ corpografias urbanas  
 
vol.1
n. 3 _ cidade como campo ampliado da arte 
 
vol.1
n. 02 _ cidades imateriais  
 
vol.1
n. 01 _ paisagens do corpo   
   
 

CorpoSSA :: Os Sentinelas de Salvador

por Aline Porto

Os 3 faróis da cidade do Salvador sinalizam a aproximação e entrada do porto para os navios e barcos, corpos flutuantes a caminho da Bahia. Os vigilantes luminosos que garantem ao navegante a vida reservam à terra um fascínio pelos encontros e despedidas, como o próprio encontro do horizonte com a cidade, do vento com os pelos, dos desejos com os medos.  

O ensaio fotográfico que ilustra a sessão corpoSSA desta edição foi uma idéia que surgiu na conversa entre duas amigas viajadas, Aline e Camila, que passearam na Itapuã como se buscassem sentido nas letras de Vinicius, a praia das tardes ensolaradas em que o sol ardia e que as palavras de amor construíam versos ou colares de contas. Não fazia sol, a chuva descia forte, um pescador aguardava seus peixes, surfistas quilhavam as ondas, e nós nos protegíamos em baixo de um imenso sombreiro(1), havia água por todos os lados, mas sem dúvida os papos sobre amores encontraram seu cenário, e ali montamos alguns versos que não precisam ser imortalizados. (foto: Camila Garcia)

Nasceu neste dia a vontade de estar nos 3 faróis da cidade do Salvador, observando como um sentinela, as relações estabelecidas entre mar-cidade-luz-corpo. Um observador do mar, um navegante da cidade, que também permanece em vigília, num rígido controle do tempo de suas ações e intenções, que ora descansa os olhos ora os despertam, assim como o velejador em plantão ou o trabalho luminoso de um farol.

“... Rotação completa em 30 seg., emitindo lampejos brancos intercalados por um eclipse de 5 seg., seguidos de um lampejo encarnado e eclipse de 5 seg. ...”(2)

Para o Farol de Itapuã, pelo Farol de Santo Antônio da Barra, até o Farol de Monte Serrat, saí para meus lampejos vigilantes.

Na segunda visita ao Farol de Itapuã(3), o sol ardeu e o pescador hábil sobre as pedras enrolava e desenrolava linha ao lado de um casal que se amava, enquanto surfistas desavisados procuravam onda, mas só havia vento que balançava as roupas brancas dos que ali faziam oferendas. O farol está construído sobre um muro com dois pórticos, passar por eles é estabelecer cumplicidade, como num ritual.

Na vigília quase noturna pelo Farol da Barra(4), muitos procuravam um ângulo que pudesse retratar a grandeza do monumento, alguns vendiam, outros compravam. Enquanto o sol se punha, muitos se aproximavam e sentavam e apertavam os botões das máquinas de guardar o momento, e num instante, logo depois que o sol se ia, a grama sedia lugar para os amores da noite, os bancos ficaram vazios, e o vento ficou mais forte. O vento de julho, que fazia seu desvio do atlântico para a Bahia, movimentava o que podia ser movido, pessoas, colares, chapéus, saias de baianas de acarajé, cabelos e tranças. Mas lá estava o monumento, que descansa sobre o Forte também imóvel. Todos os dias, tardes e noites, ele está lá entre ventos e ondas, a cada por do sol entre ilhas ou nuvens, a velocidade de nós, dos tempos segundos, das luzes encarnadas, e dos eclipses e lapsos. No Farol da Barra o vento faz a curva onde a cidade dobra. O retrato é um movimento luminoso, que só ganha imobilidade no cartão postal, nas fotografias dos turistas, ou nas miniaturas em garrafas, tudo ali se move.

Em Monte Serrat o vento é carregado de nostalgia, que sopra qualquer lembrança, inclusive memórias alheias. Sentar próximo ao pequeno farol é poder olhar de longe a cidade, e cultivar alegrias e tristezas. Enquanto em Itapuã se fala de amor, em Monte Serrat, o amor está. São inúmeros casais de todas as idades que se abraçam. Há uma pequena capela, que funciona para casamentos e cerimônias especiais. Estão lá antigas casas de senhores e escravos que guardam a atmosfera do passado de alguém, e que alimentam a nostalgia por uma história que não é minha, mas faz parte de mim. Estão lá, cravados no cimento, as marcas dos amores, como num lençol de pedra. Ali os passos se estendem pelo bairro e a vigilância do navegante é também o prazer da viagem.

Fotos:

[Camila Garcia] Graduada (1999) como Bacharel em Comunicação Social Rádio e Televisão pela Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho (UNESP); Pós-Graduada (2004) como Especialista em Fotografia pela Faculdade Senac de Comunicação e Artes; Mestranda no Programa de Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, sob Orientação do Profº Dr. Norval Baitello onde desenvolve pesquisa interdisciplinar nas seguintes áreas: Fotografia, Comunicação e Semiótica da Cultura.
Professora responsável pelas disciplinas de Fotografia – Estúdio e Laboratório Preto e Branco e Fotografia Digital no Centro Universitário Ibero Americano e Faculdade das Américas. Integrante do ateliê de conhecimento aberto Sala de Estar.

[Aline Porto]
Editora da revista [dobra]

(1) Na Bahia, o guarda-sol se chama sombreiro.

(2) Sistema luminoso atual do Farol de Santo Antonio da Barra, trecho de descrição tirada de placa informativa do Museu Náutico da Bahia.

(3) Farol de Itapuã foi construído em 1873.

(4) O farol está inserido no Forte de Santo Antonio da Barra e sua construção é de 1698, sendo o primeiro farol do continente Americano. Em 1836 ele foi reconstruído como hoje o conhecemos, com 22 metros de altura. Na década de 1950 ganhou as faixas horizontais pretas e brancas e novo sistema luminoso.